domingo, 19 de dezembro de 2010

ALUÍZIO: A Cortina... o Simca Chambord e... um expressivo fitar de olhos.

De: Aluizio Fagundes - São Paulo (SP)

Caro Léo
Um reparo: é Simca, com EME. Males das idades!
Segue um pequeno conto que escrevi há muito tempo, onde o Simca teve fator preponderante.

Abraço
Aluizio

CORTINA

Forasteiro, morava em Carolíngia, linda cidade interiorana, onde fazia o curso superior.

Certa ocasião fui convidado para uma festinha de aniversário. Não fazia parte do grupo de amigos da anfitriã. Mas não desprezei a oportunidade e lá fui para me distrair.

Pois foi nessa festa que a vi pela primeira vez. Muito me impressionei. Corpo bem feito, sem angulosidades, rosto magro, cabelos negros e lisos, narizinho arrebitado e, principalmente, o expressivo fitar de olhos profundamente escuros, foram suficientes para eu me desinteressar por qualquer outra das garotas presentes.

Alguém nos apresentou e foram poucas as palavras que trocamos. Disseram-me depois que eu ainda não a havia visto por causa de um namoro importante e duradouro dela. Porém, esse namoro estava terminado. Isto encheu meu coração de atropelada alegria.

Passado algum tempo, surpreendeu-me outro convite. Era para uma reunião social restritíssima na casa da família mais rica da região, com a qual não mantinha relações de amizade. O convite, escrito, foi-me entregue em mãos por um motorista aparatado e condicionava resposta antecipada. Nas antevésperas, uma voz feminina perguntou-me ao telefone se eu iria ao evento. Não havia o que pensar. Sim, com muito prazer.

No dia seguinte, sábado, fui para a casa paterna na Capital e troquei de carro. Lá deixei meu fusca e levei emprestado de meu pai o seu lindo Simca azul-celeste-e-branco-pérola. A festa rica merecia alto estilo.

Sábado seguinte, na hora marcada, cheguei à portaria da fazenda onde seria a reunião. Porteiros de librê se aproximaram, pediram meu nome, conferiram na prancheta e levantaram a cancela. Um caminho asfaltado, cruzando um bosque iluminado, levou-me até o pátio fronteiro a uma casa enorme, térrea, de arquitetura moderna, espalhada, cinematográfica.

Recebeu-me uma jovem senhora, a dona da voz feminina ao telefone. Conduziu-me à sala e me entregou à anfitriã que, simpaticamente, foi me apresentando a umas poucas pessoas que estavam sentadas em sofás que formavam vários ambientes naquela imensa sala clara de teto baixo. Uma ou outra daquelas pessoas, todas jovens, eu já conhecia de vista ou por ter trocado algumas palavras na cidade. Pensei que havia pouca gente por ser cedo, mas depois vi que fui dos últimos a chegar e que a reunião era de fato muito restrita e se destinava à despedida de uma das moças que estava de partida para estudar na Suíça.

Foi então que cheguei ao último ambiente de sofás. Minha circulação sanguínea se acelerou, o ar ficou preso nos pulmões por longos instantes e, balbuciando, cumprimentei a linda menina de corpo bem feito, sem angulosidades, rosto magro, cabelos negros e lisos, narizinho arrebitado e, principalmente, dona de um olhar expressivo com olhos profundamente escuros. Fiquei por ali até o fim da reunião, conversando trivialidades e trocando apresentações pessoais.

Foi alvo de meus comentários, lembro-me bem, a beleza de uma música que tocavam na vitrola. Ela então me disse que o nome da música era Cortina, da trilha sonora do filme A Pantera Cor-de-rosa. Cortina é música de rara inspiração. Seu ritmo, meio-bolero estilo europeu, entre alegre e nostálgico, com melodia sem sobressaltos, bem representa a paisagem dos Alpes Italianos que o filme mostra, onde está o centro turístico de Cortina D’Ampezzo.

Saí da absorção do colóquio com ela, no brinde de despedida. Pouco tempo depois terminava a reunião. Suas duas ou três horas de duração passaram despercebidas.

Ao sair, alguém da festa, a anfitriã talvez, pediu-me para conduzir a garota bonita até a cidade. Que dúvida! Com todo o prazer!

Bendita a hora em que, por puro exibicionismo pedi emprestado o Simca a meu pai! Ela entrou no carro e seu banco dianteiro inteiriço permitiu-lhe se acomodar bem perto de mim. Fomos em absoluto silêncio até a cidade. A tensão era quase palpável, sentia-se no ar. Os poucos minutos do percurso pareceram uma eternidade, de prazer inesquecível que não ousei afastar com nenhum gesto ou palavra. E nem ela.

Parei o carro na frente da casa dela.

Nesse tempo, nem mesmo o beijo facial entre jovens amigos era usual, que dirá então a perigosa ousadia de uma carona a dois! Por isso, a despedida deveria ser formal e rápida, como o foi em parte. Não foi tão formal porque quando virei o rosto para dizer boa noite, ela estava me fitando de perto com seus expressivos olhos de profundo escuro. Daí para um beijo mútuo foi um átimo. A despedida não foi tão rápida quanto deveria, por causa de mais um beijo, mas nem tão longa quanto desejável, para cumprir-se a regra. Nada se falou e nem se combinou, exceto um educado durma bem.

Logo depois, mal-chegado à república onde morava, tocou o telefone. Atendi. Não ouvi voz alguma, apenas o som melodioso de Cortina. Ao terminar a música, o telefone foi desligado. Eu não tinha o número de seu telefone. Por isso, não pude fazer na hora o que mais desejava. Falar-lhe. Somente no dia seguinte o consegui e a procurei ansioso.

Minha rendição foi incondicional. A estratégia, a tática, a logística e as armas por ela utilizadas não me deixaram alternativa. E, de joelhos, rastejei entregue por meses a uma paixão avassaladora que marcou profundamente a minha vida, numa época em que eu era feliz e sabia disso.

São Paulo, 28/12/1993.

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